Por Tom Cardoso e Robinson Borges
Há dez anos o carioca Fernando Lelis, hoje com 37 anos, chegou a São Paulo para estudar economia na PUC. Foi morar sozinho e dispunha apenas de um videocassete, uma bicicleta e a livraria mais próxima para amenizar a solidão. Uma década depois, Lelis continua sozinho, mas encontra na capital um oceano de oportunidades para enfrentar o "encasulamento" - "cocooning" -, conceito desenvolvido pela consultora de marketing americana Faith Popcorn para designar a tendência de isolamento nas metrópoles. Faith havia previsto que o homem da grande cidade, seduzido por ferramentas da modernidade, passaria parte de seu tempo livre isolado, se divertindo em casa.
O que ela não projetou foi que o "cocooning" evoluiria para um outro conceito, o do hiperindividualismo. Hoje, muitas pessoas das classes A e B dos centros urbanos preferem morar sozinhas. E São Paulo não fugiu a essa tendência: a capital abraçou a solidão e a transformou num mercado atraente. A região metropolitana tem cerca de 720 mil domicílios com apenas um habitante, o que representa 6% da população, segundo pesquisa do Ibope Mídia concluída no segundo semestre. "Essas pessoas não querem abrir mão de ter companheiros e amigos, mas querem menos obrigações e demandas na sua vida cotidiana", explica o sociólogo Sergio Lage, especialista em comportamento e consumo. "Elas querem poder estar ausentes, se afastar e viver de forma menos intrusiva", diz.
Um single típico paulistano, que mora nas regiões nobres de São Paulo, tem à disposição uma estrutura de dar inveja aos hotéis cinco-estrelas. Se em 1988 o máximo do luxo para Lelis era trocar o cinema pelo filme no videocassete, hoje o jovem solitário é capaz de montar uma fortaleza em sua casa, com direito a home teather, academia de ginástica, personal trainer, cozinha gourmet, adega climatizada, máquina de café expresso, churrasqueira elétrica e a última sensação do mercado dos solitários: um videogame que simula movimentos de ginástica.
"Moro na Vila Olímpia, um bairro que me oferece estrutura de serviço e lazer de Primeiro Mundo. Vou ao trabalho a pé e tenho uma agenda flexível que me permite correr no Ibirapuera cinco vezes por semana", afirma o executivo do mercado financeiro.
A faixa etária de Lelis (35-44 anos) representa 23% do total dos moradores solitários da região metropolitana de São Paulo, índice inferior apenas ao segmento de idade imediatamente posterior (45-54 anos), com 24%. A pesquisa do Ibope identificou ainda que das pessoas que moram sozinhas 30% se sentem seguras financeiramente, 49% apreciam as marcas mais refinadas, 34% freqüentemente compram produtos no supermercado por impulso, 52% têm fascínio pela cozinha e 33% afirmam que só pensam em trabalho.
Os bairros centrais da capital de São Paulo são os preferidos para essa turma que optou em não dividir a casa com mais ninguém, de acordo com uma outra pesquisa, coordenada por Marcelo Cortês Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ali há uma concentração do hiperindividualismo, fenômeno que, de acordo com o IBGE, vem crescendo: aumentou 70%, entre 1970 e 1990, puxado principalmente por metrópoles como São Paulo, líder em termos absolutos.
Um dos braços de apoio para enfrentar esse hiperindividualismo é a internet. Um em cada três brasileiros que moram sozinhos acessa a rede mundial de computadores, segundo pesquisa do Instituto Ipsos, de São Paulo. Será que nesse cenário as relações tendem a se tornar mais superficiais, distantes, ou a internet pode ser uma importante ferramenta para atenuar os problemas de isolamento? Para Lage, autor da pesquisa "Lonely Sweet Home: Solidão e Modernidade", é preciso analisar de forma crítica e não apocalíptica a solidão nas grandes cidades e, nesse contexto, as relações virtuais são uma condição da vida moderna, em que há um aumento do número de tarefas e menos tempo para cultivar relações afetivas.
A tecnologia possibilitou esses novos encontros e essas formas inéditas de relacionamento, afirma. Segundo Lage, tais recursos podem parecer "vulgares ou superficiais" para os mais conservadores, mas são apenas atualizações ou respostas para a rotina de vida atual. "Compenso o isolamento e a solidão com um excesso de encontros fortuitos, diálogos curtos, experiências rápidas e amores expressos. Tenho maior liberdade de me ausentar quando quero, deletar quem me incomoda ou bloquear acessos."
Estudo recente do Departamento de Ciências de Saúde Pública da Universidade de Alberta, no Canadá, causou polêmica ao afirmar que o uso prolongado da rede de computadores pode ter efeito terapêutico para indivíduos que enfrentam problemas como isolamento e solidão. Para o psicanalista Jorge Forbes, é cedo para qualquer tipo de julgamento. "A diferença entre estar sozinho e acompanhado não é tão clara como já foi. É muito comum hoje casais que façam várias coisas juntos ou várias coisas sozinhas. Não é tão estranho como já foi. Casais terem amigos de casais e amigos de cada um. Isso não era suportável há 20 anos."
De acordo com o psicanalista, é superficial a tese de que o mundo contemporâneo vive numa época de cidadãos voltados para si, em que cada um só protegeria o seu umbigo e seria indiferente ao outro. "Quem vê dessa maneira está olhando o homem da globalização com os olhos do mundo industrial", afirma. "Naquele mundo, as pessoas pareciam mais juntas porque dividiam os mesmos ideais."
A pluralidade de idéias, diz o psicanalista, faz que seja muito mais difícil estabelecer grandes grupos estáveis. Os grupos, ao contrário, tendem a ser cada vez menores e mutáveis, reforçando o isolamento, o que nem sempre é nocivo à sociedade. "Se por um lado vemos as pessoas mais esparsas pela falta de grandes guarda-chuvas aglutinadores, por outro as pessoas são obrigadas a se responsabilizar mais pelo seu cotidiano, fazendo que haja uma grande inquietação, o que justifica a multiplicidade dos contatos pessoais ou virtuais", afirma.
O fenômeno do isolamento, que se tornou marcante em metrópoles como Paris, Londres e Nova York, ganhou mais força em São Paulo por uma conjuntura favorável - ou desfavorável - a essa tendência, explica Raquel Siqueira, diretora da Ipsos Gestão do Conhecimento que há anos mapeia as expectativas e peculiaridades de comportamento dos paulistanos.
"Aqui, as pessoas juntam o desejo pelo isolamento com a sensação de segurança, por causa da violência desenfreada e a forte desigualdade de renda", observa a executiva. "Nos anos 1990, com a popularização do videocassete, as pessoas passaram a ficar em casa para ir menos ao cinema. Hoje, é possível fazer de tudo sem colocar o pé para fora."
O levantamento do Ibope Mídia identificou que dos cidadãos que adotaram a capital paulista para residir 25% se reuniram com os amigos nos últimos 30 dias, 23% adquiriram e leram livros ao longo desse período, 13% foram a bares e cafés e 14% foram a restaurantes para lazer. Os números são modestos diante do potencial desse estrato social, com recursos para o lazer.
De acordo com Lage, o maior obstáculo para quem mora sozinho em São Paulo não é o isolamento, mas a falta de estrutura adequada para todas as demandas desse nicho. Em sua opinião, é inegável que por ser a maior cidade do país, com a maior rede de serviços, o centro financeiro da América Latina se torne também o destino natural do perfil do morador sozinho, pertencente às classes A e B, independente financeiramente e à procura de uma vida cultural intensa. Porém, segundo o sociólogo, é necessário aperfeiçoar esses mecanismos. "As empresas ainda não equacionaram a questão da segmentação desse mercado, que está cada vez maior e mais complexo. Ainda há uma percepção de que o single pode e deve pagar mais, o que torna grande parte desses produtos e serviços muito caros", afirma.
Lage lembra que é prática comum as empresas de alimentos cortarem pela metade a quantidade, mas reduzirem apenas 25% do preço. O mercado imobiliário, segundo ele, também ainda não acordou para essa tendência. O morador sozinho, que busca apartamentos entre 70 e 80 metros quadrados, compete com famílias de classe média. Isso é bem diferente de cidades como Paris, por exemplo, onde 50% dos domicílios têm estrutura para atender um morador.
"O mercado ainda pensa que os desejos, necessidades e expectativas dos singles são todas iguais e não percebem que esse é um segmento bastante diverso e diferenciado e há diversos subsegmentos de estilo de vida e perfis de comportamento e consumo bem diferenciados dentro dessa população."
Autor do estudo "Sexo, Casamento e Economia", Neri, da FGV, cruzou dados do IBGE para chegar o mais próximo possível desse perfil do cidadão solitário. Chegou à conclusão de que as mulheres têm papel decisivo no processo. O Ipea mostra que há 7,22% das mulheres solitárias e 5,61% dos homens. A matemática é relativamente simples: as mulheres vivem mais do que os homens, portanto há uma concentração maior de viúvas solitárias. Seu estudo mostra que no tradicional distrito da Consolação, por exemplo, 62,8% das residências são ocupadas por mulheres sozinhas, número bem próximo ao de Copacabana, no Rio (64,1%), que concentra o maior número de idosas morando sozinhas do país. "É preciso levar em conta fatores comportamentais e sociais, como o aumento de divórcios e a independência econômica da mulher, sobretudo a que reside nos grandes centros urbanos. As mulheres, além de ter menos filhos, também se casam menos pela segunda vez", afirma.
Como a mulher compõe a maioria da população paulistana, com um contingente 9% superior ao dos homens, segundo dados do Dieese 2007, não é difícil explicar o fenômeno da solidão - na faixa de 60 anos e mais, por exemplo, a população feminina é cerca de 48% maior do que a dos homens. A paulistana de hoje tem menos filhos - em 1980 eram em média 3,2 filhos, ante 2 filhos de hoje - e também não pensa em se casar de novo. Apenas 7,4% das divorciadas de São Paulo voltam ao matrimônio, ante 11,2% dos homens.
"Os casamentos não são mais duradouros hoje em dia. As famílias são menores e os filhos tendem a sair de casa mais cedo", afirma a demógrafa Laura Wong, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da Associação Brasileira de Estudos sobre Populações (Abep). Para ela, a sociedade se tornou mais tolerável com a mulher divorciada que vive sozinha, sem os filhos, independente e forte no mercado do trabalho. Mas, por outro lado, há riscos no futuro - hoje, 20% dos idosos moram sós, muito deles incapacitados.
"Quem vai cuidar dessa massa de idosos que vai surgir daqui a alguns anos, muitos deles sem filhos ou com um filho só?", pergunta a demógrafa. "A nossa cultura não aceita que o idoso seja abandonado. Talvez por isso essa tendência se modifique nas próximas décadas e a gente tenha uma volta ao passado, a uma valorização da família e do casamento."
Suzy Cortoni, diretora da Comsenso, agência de estudos do comportamento de São Paulo, está alinhada com a tese de que a corrida pela sobrevivência na grande cidade tem contribuído para o surgimento de uma legião de solitários. "O fenômeno do isolamento é uma tendência das classes A e B. Basta olhar o mapa dos domicílios com um morador em São Paulo, quase todos na região central da cidade, ocupados por profissionais liberais e, sobretudo, por mulheres", observa.
"As mulheres estão cada vez competindo de igual para igual com homens no mercado de trabalho e não estão mais dispostas a cumprir as tarefas domésticas e muito menos ficar em casa cuidando de meia dúzia de filhos", afirma Suzy. "Ao mesmo tempo, vejo que há certa nostalgia no ar, alimentada justamente pelos novos solitários de São Paulo."
Durante uma pesquisa da Comsenso, Suzy pediu para as mulheres independentes, morando sozinhas, tirarem fotos de seu dia-a-dia. Muitas mandaram imagens na cozinha, de avental, outras fazendo tricô. "Havia um desejo inconsciente de voltar ao passado, principalmente na relação com a figura masculina, ainda muito associada à segurança." O desejo, pelo jeito, é apenas inconsciente. A pesquisa da FGV revela que as mulheres sozinhas ganham, em média, 62% a mais do que as acompanhadas. Em 1970, por exemplo, apenas 5,1% eram chefes de família, ante 14,8% em 2000.
Para Forbes, o mundo contemporâneo é o da diversidade. Não se divide entre campo e cidade, entre verde e asfalto, e muito menos em estar sozinho ou acompanhado. "E sim pela possibilidade de reinventar o cotidiano. Nesse sentido, São Paulo é um prato cheio para sua diversidade por ser uma das poucas metrópoles dignas desse nome."
Há dez anos o carioca Fernando Lelis, hoje com 37 anos, chegou a São Paulo para estudar economia na PUC. Foi morar sozinho e dispunha apenas de um videocassete, uma bicicleta e a livraria mais próxima para amenizar a solidão. Uma década depois, Lelis continua sozinho, mas encontra na capital um oceano de oportunidades para enfrentar o "encasulamento" - "cocooning" -, conceito desenvolvido pela consultora de marketing americana Faith Popcorn para designar a tendência de isolamento nas metrópoles. Faith havia previsto que o homem da grande cidade, seduzido por ferramentas da modernidade, passaria parte de seu tempo livre isolado, se divertindo em casa.
O que ela não projetou foi que o "cocooning" evoluiria para um outro conceito, o do hiperindividualismo. Hoje, muitas pessoas das classes A e B dos centros urbanos preferem morar sozinhas. E São Paulo não fugiu a essa tendência: a capital abraçou a solidão e a transformou num mercado atraente. A região metropolitana tem cerca de 720 mil domicílios com apenas um habitante, o que representa 6% da população, segundo pesquisa do Ibope Mídia concluída no segundo semestre. "Essas pessoas não querem abrir mão de ter companheiros e amigos, mas querem menos obrigações e demandas na sua vida cotidiana", explica o sociólogo Sergio Lage, especialista em comportamento e consumo. "Elas querem poder estar ausentes, se afastar e viver de forma menos intrusiva", diz.
Um single típico paulistano, que mora nas regiões nobres de São Paulo, tem à disposição uma estrutura de dar inveja aos hotéis cinco-estrelas. Se em 1988 o máximo do luxo para Lelis era trocar o cinema pelo filme no videocassete, hoje o jovem solitário é capaz de montar uma fortaleza em sua casa, com direito a home teather, academia de ginástica, personal trainer, cozinha gourmet, adega climatizada, máquina de café expresso, churrasqueira elétrica e a última sensação do mercado dos solitários: um videogame que simula movimentos de ginástica.
"Moro na Vila Olímpia, um bairro que me oferece estrutura de serviço e lazer de Primeiro Mundo. Vou ao trabalho a pé e tenho uma agenda flexível que me permite correr no Ibirapuera cinco vezes por semana", afirma o executivo do mercado financeiro.
A faixa etária de Lelis (35-44 anos) representa 23% do total dos moradores solitários da região metropolitana de São Paulo, índice inferior apenas ao segmento de idade imediatamente posterior (45-54 anos), com 24%. A pesquisa do Ibope identificou ainda que das pessoas que moram sozinhas 30% se sentem seguras financeiramente, 49% apreciam as marcas mais refinadas, 34% freqüentemente compram produtos no supermercado por impulso, 52% têm fascínio pela cozinha e 33% afirmam que só pensam em trabalho.
Os bairros centrais da capital de São Paulo são os preferidos para essa turma que optou em não dividir a casa com mais ninguém, de acordo com uma outra pesquisa, coordenada por Marcelo Cortês Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ali há uma concentração do hiperindividualismo, fenômeno que, de acordo com o IBGE, vem crescendo: aumentou 70%, entre 1970 e 1990, puxado principalmente por metrópoles como São Paulo, líder em termos absolutos.
Um dos braços de apoio para enfrentar esse hiperindividualismo é a internet. Um em cada três brasileiros que moram sozinhos acessa a rede mundial de computadores, segundo pesquisa do Instituto Ipsos, de São Paulo. Será que nesse cenário as relações tendem a se tornar mais superficiais, distantes, ou a internet pode ser uma importante ferramenta para atenuar os problemas de isolamento? Para Lage, autor da pesquisa "Lonely Sweet Home: Solidão e Modernidade", é preciso analisar de forma crítica e não apocalíptica a solidão nas grandes cidades e, nesse contexto, as relações virtuais são uma condição da vida moderna, em que há um aumento do número de tarefas e menos tempo para cultivar relações afetivas.
A tecnologia possibilitou esses novos encontros e essas formas inéditas de relacionamento, afirma. Segundo Lage, tais recursos podem parecer "vulgares ou superficiais" para os mais conservadores, mas são apenas atualizações ou respostas para a rotina de vida atual. "Compenso o isolamento e a solidão com um excesso de encontros fortuitos, diálogos curtos, experiências rápidas e amores expressos. Tenho maior liberdade de me ausentar quando quero, deletar quem me incomoda ou bloquear acessos."
Estudo recente do Departamento de Ciências de Saúde Pública da Universidade de Alberta, no Canadá, causou polêmica ao afirmar que o uso prolongado da rede de computadores pode ter efeito terapêutico para indivíduos que enfrentam problemas como isolamento e solidão. Para o psicanalista Jorge Forbes, é cedo para qualquer tipo de julgamento. "A diferença entre estar sozinho e acompanhado não é tão clara como já foi. É muito comum hoje casais que façam várias coisas juntos ou várias coisas sozinhas. Não é tão estranho como já foi. Casais terem amigos de casais e amigos de cada um. Isso não era suportável há 20 anos."
De acordo com o psicanalista, é superficial a tese de que o mundo contemporâneo vive numa época de cidadãos voltados para si, em que cada um só protegeria o seu umbigo e seria indiferente ao outro. "Quem vê dessa maneira está olhando o homem da globalização com os olhos do mundo industrial", afirma. "Naquele mundo, as pessoas pareciam mais juntas porque dividiam os mesmos ideais."
A pluralidade de idéias, diz o psicanalista, faz que seja muito mais difícil estabelecer grandes grupos estáveis. Os grupos, ao contrário, tendem a ser cada vez menores e mutáveis, reforçando o isolamento, o que nem sempre é nocivo à sociedade. "Se por um lado vemos as pessoas mais esparsas pela falta de grandes guarda-chuvas aglutinadores, por outro as pessoas são obrigadas a se responsabilizar mais pelo seu cotidiano, fazendo que haja uma grande inquietação, o que justifica a multiplicidade dos contatos pessoais ou virtuais", afirma.
O fenômeno do isolamento, que se tornou marcante em metrópoles como Paris, Londres e Nova York, ganhou mais força em São Paulo por uma conjuntura favorável - ou desfavorável - a essa tendência, explica Raquel Siqueira, diretora da Ipsos Gestão do Conhecimento que há anos mapeia as expectativas e peculiaridades de comportamento dos paulistanos.
"Aqui, as pessoas juntam o desejo pelo isolamento com a sensação de segurança, por causa da violência desenfreada e a forte desigualdade de renda", observa a executiva. "Nos anos 1990, com a popularização do videocassete, as pessoas passaram a ficar em casa para ir menos ao cinema. Hoje, é possível fazer de tudo sem colocar o pé para fora."
O levantamento do Ibope Mídia identificou que dos cidadãos que adotaram a capital paulista para residir 25% se reuniram com os amigos nos últimos 30 dias, 23% adquiriram e leram livros ao longo desse período, 13% foram a bares e cafés e 14% foram a restaurantes para lazer. Os números são modestos diante do potencial desse estrato social, com recursos para o lazer.
De acordo com Lage, o maior obstáculo para quem mora sozinho em São Paulo não é o isolamento, mas a falta de estrutura adequada para todas as demandas desse nicho. Em sua opinião, é inegável que por ser a maior cidade do país, com a maior rede de serviços, o centro financeiro da América Latina se torne também o destino natural do perfil do morador sozinho, pertencente às classes A e B, independente financeiramente e à procura de uma vida cultural intensa. Porém, segundo o sociólogo, é necessário aperfeiçoar esses mecanismos. "As empresas ainda não equacionaram a questão da segmentação desse mercado, que está cada vez maior e mais complexo. Ainda há uma percepção de que o single pode e deve pagar mais, o que torna grande parte desses produtos e serviços muito caros", afirma.
Lage lembra que é prática comum as empresas de alimentos cortarem pela metade a quantidade, mas reduzirem apenas 25% do preço. O mercado imobiliário, segundo ele, também ainda não acordou para essa tendência. O morador sozinho, que busca apartamentos entre 70 e 80 metros quadrados, compete com famílias de classe média. Isso é bem diferente de cidades como Paris, por exemplo, onde 50% dos domicílios têm estrutura para atender um morador.
"O mercado ainda pensa que os desejos, necessidades e expectativas dos singles são todas iguais e não percebem que esse é um segmento bastante diverso e diferenciado e há diversos subsegmentos de estilo de vida e perfis de comportamento e consumo bem diferenciados dentro dessa população."
Autor do estudo "Sexo, Casamento e Economia", Neri, da FGV, cruzou dados do IBGE para chegar o mais próximo possível desse perfil do cidadão solitário. Chegou à conclusão de que as mulheres têm papel decisivo no processo. O Ipea mostra que há 7,22% das mulheres solitárias e 5,61% dos homens. A matemática é relativamente simples: as mulheres vivem mais do que os homens, portanto há uma concentração maior de viúvas solitárias. Seu estudo mostra que no tradicional distrito da Consolação, por exemplo, 62,8% das residências são ocupadas por mulheres sozinhas, número bem próximo ao de Copacabana, no Rio (64,1%), que concentra o maior número de idosas morando sozinhas do país. "É preciso levar em conta fatores comportamentais e sociais, como o aumento de divórcios e a independência econômica da mulher, sobretudo a que reside nos grandes centros urbanos. As mulheres, além de ter menos filhos, também se casam menos pela segunda vez", afirma.
Como a mulher compõe a maioria da população paulistana, com um contingente 9% superior ao dos homens, segundo dados do Dieese 2007, não é difícil explicar o fenômeno da solidão - na faixa de 60 anos e mais, por exemplo, a população feminina é cerca de 48% maior do que a dos homens. A paulistana de hoje tem menos filhos - em 1980 eram em média 3,2 filhos, ante 2 filhos de hoje - e também não pensa em se casar de novo. Apenas 7,4% das divorciadas de São Paulo voltam ao matrimônio, ante 11,2% dos homens.
"Os casamentos não são mais duradouros hoje em dia. As famílias são menores e os filhos tendem a sair de casa mais cedo", afirma a demógrafa Laura Wong, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da Associação Brasileira de Estudos sobre Populações (Abep). Para ela, a sociedade se tornou mais tolerável com a mulher divorciada que vive sozinha, sem os filhos, independente e forte no mercado do trabalho. Mas, por outro lado, há riscos no futuro - hoje, 20% dos idosos moram sós, muito deles incapacitados.
"Quem vai cuidar dessa massa de idosos que vai surgir daqui a alguns anos, muitos deles sem filhos ou com um filho só?", pergunta a demógrafa. "A nossa cultura não aceita que o idoso seja abandonado. Talvez por isso essa tendência se modifique nas próximas décadas e a gente tenha uma volta ao passado, a uma valorização da família e do casamento."
Suzy Cortoni, diretora da Comsenso, agência de estudos do comportamento de São Paulo, está alinhada com a tese de que a corrida pela sobrevivência na grande cidade tem contribuído para o surgimento de uma legião de solitários. "O fenômeno do isolamento é uma tendência das classes A e B. Basta olhar o mapa dos domicílios com um morador em São Paulo, quase todos na região central da cidade, ocupados por profissionais liberais e, sobretudo, por mulheres", observa.
"As mulheres estão cada vez competindo de igual para igual com homens no mercado de trabalho e não estão mais dispostas a cumprir as tarefas domésticas e muito menos ficar em casa cuidando de meia dúzia de filhos", afirma Suzy. "Ao mesmo tempo, vejo que há certa nostalgia no ar, alimentada justamente pelos novos solitários de São Paulo."
Durante uma pesquisa da Comsenso, Suzy pediu para as mulheres independentes, morando sozinhas, tirarem fotos de seu dia-a-dia. Muitas mandaram imagens na cozinha, de avental, outras fazendo tricô. "Havia um desejo inconsciente de voltar ao passado, principalmente na relação com a figura masculina, ainda muito associada à segurança." O desejo, pelo jeito, é apenas inconsciente. A pesquisa da FGV revela que as mulheres sozinhas ganham, em média, 62% a mais do que as acompanhadas. Em 1970, por exemplo, apenas 5,1% eram chefes de família, ante 14,8% em 2000.
Para Forbes, o mundo contemporâneo é o da diversidade. Não se divide entre campo e cidade, entre verde e asfalto, e muito menos em estar sozinho ou acompanhado. "E sim pela possibilidade de reinventar o cotidiano. Nesse sentido, São Paulo é um prato cheio para sua diversidade por ser uma das poucas metrópoles dignas desse nome."
Parabéns por colocar o link do site! Boa Semana!
ResponderExcluir"Dai a César o que é de César".
ResponderExcluirEsta é uma matéria muito boa que nos ajudou a chegar ao nome da psicóloga Suzy Cortoni, especialista no comportamento de quem mora sozinho. Vale uma visita no site!
Boa semana!
kkk
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