As pesquisas confirmam: é cada vez maior o número de brasileiros que moram sozinhos ou, no máximo, dividem o teto com mais uma pessoa. Os motivos são os mais variados. As famílias vêm encolhendo, os casamentos são tardios, o número de divórcios é crescente e os homossexuais já não têm o temor do passado em assumir a opção sexual e levar uma vida independente.
Segundo o IBGE, enquanto em 1991 5,7% dos domicílios tinham apenas um morador, em 2000 a participação chegava a 9,1%. Os novos consumidores têm despertado a atenção da indústria.
O nicho é amplo e mistura vários perfis. São jovens que querem casar mais tarde e investem no imóvel para morar sozinhos, casais que não querem ter filhos, pessoas separadas, viúvos e o público GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). "O modelo familiar tem mudado, não é só o papai, a mamãe e o filhinho", observa Lilibeth Cardoso Roballo Ferreira, gerente de estudos e pesquisas sociais do IBGE. Com um bom poder aquisitivo e sem despesas extras com os filhos, essas pessoas gastam com restaurantes, em viagens, e não se importam em investir mais para morar confortavelmente.
O setor imobiliário ainda tateia no segmento. Na semana passada, a Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (Asbea) organizou em São Paulo um seminário sobre o perfil desse novo morador urbano. "As empresas começaram a identificar o nicho de um ano para cá, mas ainda não se sabe ao certo o que essa pessoa busca", explica Elizabeth Goldfarb, organizadora do encontro.
Um dos primeiros modelos de imóvel a atender a esse segmento são os lofts. A Fernandez Mera, de São Paulo, comercializou em um ano três prédios voltados para os solteiros. Pesquisas feitas pela empresa revelam que quem procura esse tipo de imóvel geralmente são profissionais liberais, na faixa entre 27 anos e 40 anos. Segundo Fábio Soltau, diretor de produtos, o nicho é mais sofisticado, exigente, e adora privacidade e comodidades, como uma sala de ginástica bem montada e um salão para festas que compense a falta de espaço dos imóveis. O preço é salgado. Um loft de 45 metros quadrados custa R$ 120 mil.
Por causa do alto poder aquisitivo, o público single não se importa em pagar mais quando acha que o investimento vale a pena. Luiz Paulo Pompéia, da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), calcula que, enquanto o metro quadrado do imóvel de um dormitório, na cidade de São Paulo, é avaliado em R$ 2.850, no de quatro dormitórios ele cai para R$ 1.497.
A fabricante de móveis Tok & Stok percebeu o potencial desses consumidores há pelo menos duas décadas. O forte das vendas da empresa são mesas e armários menores, comprados por jovens casais sem filhos, por solteiros ou descasados. "É um público antenado, muito preocupado com o estilo, com a tendência. Por isso é preciso pensar não só no tamanho, mas no design", diz Ademir Bueno, gerente da empresa.
Entre os solitários, o segmento GLS promete ser dos mais promissores. Não existe estatística oficial. Estima-se que haja cerca de 15 milhões de gays e lésbicas no Brasil, ou 9% da população do País.
Existe um projeto em elaboração, articulado entre a Associação de Empresários GLS (AEG), o São Paulo Convention Bureau e o Anhembi Eventos e Turismo, propondo que São Paulo seja a capital gay da América Latina. A cidade já conta com o principal evento, a Parada Gay, que terá a sua sétima versão em junho e da qual devem participar 300 mil pessoas.
Franco Reinaudo, presidente da AEG e sócio da operadora de turismo Álibi, especializada no público gay, garante que São Paulo está mais bem organizada para esse consumidor. "Além dos roteiros culturais e gastronômicos hetero, há quase 80 estabelecimentos comerciais GLS na cidade de São Paulo", afirma. O páreo será difícil para consolidar a vocação paulistana. Os gays dos Estados Unidos e da Europa, por exemplo, gostam de roteiros como Rio de Janeiro, Fernando de Noronha e Pantanal, enquanto os latino-americanos preferem São Paulo.
Os negócios em torno do público GLS se proliferam além do eixo Rio- São Paulo. Vito Ostrowski Júnior é sócio da boate Box, em Curitiba, uma das três do gênero na cidade. Investiu US$ 250 mil e recebe perto de duas mil pessoas por fim de semana.
Um dos problemas do negócio é a freqüência cada vez maior de mulheres heterossexuais. "É para ser um lugar onde os gays ficam à vontade e não sofrem preconceito, mas está havendo uma invasão feminina", conta o empresário. As mulheres, diz Ostrowski, vão ao local em busca de companhia - go-go-boys e garotos de programa - e acabam inibindo os gays. "Por isso organizamos a Quinta G, dia em que só entra homem", explica. Depois da boate, os próximos empreendimentos serão um clube campestre, em São José dos Pinhais, e uma sauna gay em Joinville (SC).
Cuidadosa, a publicidade foge do tema homossexualismo em campanhas. A agência Leo Burnett, no entanto, preferiu apostar. O filme Escola, da Fiat, no ar há dez dias, faz parte de uma série de comerciais polêmicos e mostra uma reunião de colégio em que duas mulheres se apresentam como pai e mãe de um aluno. A professora, é claro, faz cara de surpresa. "Não queremos levantar uma bandeira, apenas tratar o assunto de forma positiva e natural", afirma Denise Millan, diretora de atendimento da agência.
A indústria de alimentos, ainda que timidamente, saiu na frente. Empresas como a Perdigão e a Sadia têm linhas de pratos prontos para uma ou duas pessoas e embalagens econômicas de frios. Nestlé e Unilever têm porções individuais de sopas. A Wickbold lançou há dois anos um pacote de pães com metade do peso do tradicional. "É um consumidor elitizado, com um poder aquisitivo melhor. Politicamente correto, ele não aceita desperdício", diz Edilberto Wickbold, diretor-executivo. As vendas da linha compacta representaram no ano passado 5% do total, ou cerca de R$ 8 milhões.
A Bauducco também mirou nesses consumidores. Acaba de lançar a caixa de biscoitos Variedades, com minipacotes de seis diferentes sabores. Custa mais, porém evita o transtorno que dos solitários de abrir um pacote de bolacha e ver o produto murchar antes da metade. Aloizio Perequito Neto, gerente da Bauducco, conta que fora do Brasil a embalagem individual é muito comum. O próximo lançamento da empresa será a caixa de torrada embalada a cada três fatias.
Se a indústria ainda é lenta em identificar o potencial do single, o varejo parece ter sido mais ágil. Nos supermercados da rede Pão de Açúcar, explica Paulo Lima, diretor regional, já são servidas porções individuais como frutas e verduras. Uma pessoa que mora sozinha não precisa levar um melão inteiro para casa, pode comprar até uma fatia."A procura por esse tipo de mercadoria não pára de crescer", garante Lima. "Mas falta os fabricantes aderirem à tendência." A opinião é a mesma de Paulo Carramenha, presidente do instituto de pesquisas Research International: "Se as empresas tiverem mais recursos, certamente vão investir na segmentação".
Paula Pacheco
Fonte: http://www.terra.com.br/cartacapital/185/empresas.htm
Obs: A gerente de estudos e pesquisas sociais do IBGE, Lilibeth Cardozo Roballo Ferreira, citada na matéria é uma de nossas entrevistadas. Confira em breve a entrevista que fizemos com ela falando sobre o perfil "single".
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