domingo, 20 de setembro de 2009

Entrevista com Mirtes Guimarães Leitão

Mirtes Guimarães Leitão tem hoje 81 anos e está aposentada.
Vive sozinha em uma casa de larga extensão, comparada ao que estamos acostumados hoje em dia aqui na Grande São Paulo. São dez metros por cinqüenta de terreno, e cada um destes metros exige dela certa atenção, para que ela mantenha sua casa limpa e organizada, tal qual a encontramos no dia da entrevista.
Nestes 500 m², também há uma casa menor aos fundos, que Mirtes mantém alugada.
Há 28 anos, seu esposo faleceu. Passou a dividir a casa com sua mãe que também faleceu tempos depois. Com seu único filho casado, vivendo em outro lugar, Mirtes ficou sozinha.
Alguns anos atrás, sua neta esteve com ela até se formar na faculdade. Mas nestes últimos dois anos ela se viu sozinha novamente.


VS: Como foi seu primeiro dia sozinha?
MGL: Bom, eu sempre tive bastante gente em casa né, no tempo do meu marido. Os parentes dele vinham muito aqui, meus parentes, depois que ele morreu sumiu todo mundo, aí eu fiquei sozinha. Bom, tinha minha mãe, depois que minha mãe morreu também, fiquei sozinha.

VS: E quais são as maiores dificuldades de ficar sozinha?
MGL: Ah, não tem dificuldade nenhuma de ficar sozinha. (Risos)

VS: Teve alguma situação engraçada que você passou morando sozinha?
MGL: Não, que eu me lembre não.
VS: E no momento que você se sente só, o que você faz pra lidar com a solidão?
MGL: Eu leio, porque eu já tive depressão, né. Então quando eu percebo assim que tá querendo dar depressão eu começo sair. Porque a gente fica sempre dentro de casa, aí começa a dar depressão, né?

VS: E o que você faz pra se divertir?
MGL: Não faço nada. Saio pra passear. Eu vou lá pra casa do meu filho, lá eu saio com ele, a gente vai assim num restaurante, essas coisas. Então fico lá, distraio, às vezes eu vou ao teatro com minha sobrinha que mora aqui perto, sabe, de vez em quando, mas não é sempre. Às vezes no cinema, mas é uma vez ou outra, não é sempre não.
VS: E qual que é a melhor parte de morar sozinha?
MGL: Ah, que a gente... descansa mais. (Risos). Tendo mais gente junto já é mais serviço, né. Deito a hora que eu quero. Tendo uma pessoa a mais já é diferente: a gente nunca pode deitar a hora que quer.

VS: E o orçamento como que é?
MGL: Ah, dá pra viver. Tem o aluguel, né, o aluguel me ajuda, eu tenho o aluguel que me ajuda. Meu filho me ajuda, muita coisa que eu tenho aqui dentro foi ele que me deu,se não só a pensão não ia dar, né?

VS: Você acha que morando sozinha a casa fica com o seu jeito?
MGL: Eu acho. Quando eu vou lá pro apartamento do meu filho, eu não vejo a hora de vir embora. Sempre eu morei em casa, né, ficar em apartamento...

VS: Você gosta bastante de planta, né? (a casa é cheia de vasos). Você que cuida delas?
MGL: Eu cuido. Quando eu tinha saúde mesmo, que eu tenho problema de coluna, né. Era eu que limpava, arrancava mato, fazia tudo. Mas agora eu não posso abaixar por causa da coluna, então eu chamo o Ílio, aí ele limpa pra mim.

VS: Depois desse tempo morando sozinha, você moraria com outra pessoa?
MGL: Só se fosse necessário, mas se não, prefiro sozinha. A gente acostuma com tudo nessa vida, né. Eu tava acostumada com muita gente, depois foi indo todo mundo embora, minha mãe morreu, eu me acostumei a ficar sozinha.

VS: Como foi esse processo de você estar morando com as pessoas e depois elas se forem?
MGL: A gente sente, né. A gente acha falta, sente mal de ficar... principalmente a noite, depois acostuma, já acostumei, até gosto.

VS: Você adquiriu alguma mania morando sozinha?
MGL: Não. Nenhuma.
VS: E a sua relação com a família mudou depois que você mora sozinha?
MGL: Com os parentes do meu marido sim. Sumiram tudo. Porque no tempo do meu marido, ele trabalhava na Ford, né, arrumaram emprego pra todos. Depois ele morreu, não tinha mais interesse, sumiram tudo. Ela morou comigo dez anos, depois que meu marido morreu, ela mora em Bragança Paulista, foi embora e nunca mais veio aqui. Depois veio a irmã dela morar comigo, morou dois anos comigo, porque veio trabalhar na Ford, né. Depois que meu marido morreu, sumiu tudo. (Risos) Tem um irmão do meu marido que nem sei se ele é vivo ou se ele já morreu, porque os parentes dele morreu tudo, né. Ficou só o mais novo, mas não sei se ele morreu... Não sei notícia dele. Mudou pra São Carlos e não dá notícia, a gente nem sabe onde é que mora. Eu vi ele uma vez na televisão, que ele ganhou uma casa do Silvio Santos, mas não vi mais. Nunca mais deu notícia.


VS: Você acha que se relacionar morando sozinha é mais difícil?
MGL: Ah, eu acho que não. Se eu não gostasse de morar sozinha, mas eu gosto.

VS: E você aprendeu alguma coisa morando sozinha?
MGL: Ah, aprendi. Aprendi o que todo mundo aprende. Risos. Agora depois que eu fique morando, que meu marido morreu, eu saio mais. Igual, eu fazia natação, ginástica no SESI, no tempo dele eu não fazia nada, ele saia, antes dele morrer, que ele trabalhava, eu que saia pra ir ao banco, ir ali, ir aqui, fazer as coisas que precisava. Aí depois ele aposentou, não deixava nem eu ir à feira, ele falava: “tem eu, pra que você precisa ir”. Aí eu fiquei só enfiada aqui dentro, por isso que eu tive depressão. Depois que ele morreu, agora eu vou, eu saio né, porque se ele tivesse vivo eu não podia fazer ginástica, natação que ele não deixava. Depois que ele morreu, eu comecei a fazer essas coisas, agora eu queria continuar estudando, que eu tinha pouco estudo né, não deixou. Aí depois que ele morreu aí eu já tava velha, ah. Risos.
VS: Você acha que mudou morando sozinha?
MGL: Mudou pra melhor. Ele não deixava fazer nada. As crianças aqui da rua, cresceram, ficaram moços, casaram e eu não fiquei sabendo que eu ficava enfiada lá encima, que eu morava lá encima né, na casa de lá. Não saia pra lado nenhum que ele não deixava, ele achava que ele fazendo não precisava eu.
VS: E você recomendaria a outras pessoas, a morarem sozinhas?
MGL: Tem pessoa que não gosta, né. Muitas mulheres morrem aquele marido, tornam a casar, eu não. Pra mim uma experiência só bastou. Risos.

VS: Não pretende casar de novo?
MGL: De jeito nenhum! A hora que eu fiquei viúva os vizinhos aqui falavam pra mim: “ah, por que você não arruma um homem, não casa, vai ficar sozinha?”. Eu falava “sozinha é sentir muita solidão”. Eu nunca senti solidão. Quem tem fé em Deus não tem medo de ficar sozinha. Eles falavam pra mim “Ai, vai ficar nessa casa a noite, não tem medo?”, Falava “não tenho medo de nada, quem tem Deus no coração não precisa ter medo, se tiver que acontecer às coisas, acontece, tanto faz sozinha, né, com alguém junto. Eu sei que eu sou muito feliz, falar a verdade pra você. Tendo meu filho, que meu filho me ajuda muito, né, minhas netas, minha nora. Não preciso de mais nada, pra que? Agora quando eu ficar muito velha não sei o que vai acontecer, porque enquanto eu to podendo fazer as coisas, que eu faço tudo, você vê, minha casa é grande, eu faço tudo. O dia que eu não puder, aí eu não sei o que vai ser da minha vida. Risos. Só Deus sabe né. Quando a gente pode fazer as coisas a gente faz morando sozinha né, mas fica muito de idade ou doente, aí não dá.

VS: Mas você tem medo de morar sozinha, por causa da casa?
MGL: Não, não tenho medo. Eu tenho medo assim se eu não puder fazer nada. Isso que é o problema. Enquanto eu puder fazer minhas coisas. Que eu quebrei a perna, caí né? Tive que operar aqui tudo. Fiquei até hoje, já vai fazer uns dois anos já, até hoje eu tenho dor, eu faço tudo sozinha, arrumei uma não deu certo, pra fazer limpeza, arrumei outra também não deu, duas não deu certo falei “ah, com dor e tudo eu faço”. Meu braço tá doendo, com esse pino aqui, dói muito, então quando não podia mexer, eu gastava: pagava e via tudo do mesmo jeito, então eu prefiro fazer com dor e tudo. Tem gente que fala, “ai, a senhora não pode fazer essas coisas”, ah, graças a Deus eu tenho idade, mas tenho vontade de trabalhar. Faço tudo em casa, ainda ajudo meu filho, vou a casa dele. Quando eu vou lá, não vou ficar deitada, né. Ajudo muita coisa, ainda mais agora que ele tá doente.

VS: E aqui você faz tudo: cozinha...
MGL: Tudo, tudo. Lavo, passo. Quando minha neta tava aqui ainda, tinha ela pra eu lavar, passar, saia cedo e chegava tarde, né. Fazia tudo.

VS: E as suas compras? O que você costuma comprar na despesa?
MGL: Eu não compro as coisas de bastante. Porque eu não posso carregar sacola pesada por causa do braço, né. Então a Tatiana, assim quando tá faltando as coisas, arroz, feijão que é pesado, ela tem carro, ela vem aqui e vai comigo no mercado, aí eu compro tudo que é pesado. Aí depois eu compro mistura, fruta, essas coisas, mas trago tudo de pouco. Eu não posso esforçar muito o braço.



VS: Você já estragou coisa por você morar sozinha?
MGL: Não compro que eu sei que estraga. Só arroz, feijão. Eu gosto de comprar tudo de pouco.

VS: E a decoração da casa é por sua conta?
MGL: É tudo meu. A minha casa não é decorada assim. Risos. Mas é tudo meu gosto. Eu gosto de ver cada coisa no seu lugar, não gosto de “ropaiada” pra lá e pra cá, não gosto dessas coisas, por isso tem guarda-roupa. Eu tiro a roupa já lavo, no mesmo dia já passo, ponho na gaveta. Que assim não dá muito trabalho. Não gosto de ficar juntando roupa pra passar, que meu braço dói pra passar roupa. Então sabendo levar a vida... a gente vai indo, até quando Deus quiser.

VS: Qual foi a última coisa que você comprou pra sua casa?
MGL: Do que?

VS: Da mobília?
MGL: Ah tudo que tem aqui depois que meu marido morreu fui eu que comprei. Porque o que tinha estragou, mas esses móveis aí foi ele que comprou, agora lá na cozinha, por exemplo, microondas, liquidificador, essas coisas assim, meu filho que me dá. A máquina de lavar roupa foi ele que me deu, porque eu não tinha máquina de lavar roupa. Lavava a roupa na mão. Depois que me aconteceu isso, mesmo assim eu não queria máquina. Aí meu filho ficou bravo, e comprou a máquina pra mim, porque eu não posso esfregar muito. Ficar fazendo assim no tanque. Mas eu não tenho medo, tô acostumada a lavar na mão. Quase tudo que eu tenho aí foi ele que comprou.

VS: E as empregadas? Você não tem vontade de colocar outra no lugar?
MGL: Não. Depois do jeito que eu vi essas duas que veio... Enquanto eu puder fazer eu vou fazer. Só quando eu não puder mais, né. Tem uma que me deu calote, foi embora me devendo R$30,00. Porque ia me pagar, desapareceu. Aí o que eu quero? Minha casa não tá suja, não tá. Eu que faço. Só de lavar esse quintal que é muito grande. Só regar o mato não dá mais, algumas eu rego, mas não dá pra ficar muito tempo assim abaixada, me dói a coluna.

VS: Quantos metros têm na sua casa?
MGL: É dez por cinqüenta. Bom aquela parte, eles (inquilinos) tudo que limpa.

VS: E inquilino você sempre teve?
MGL: Bom depois que... Não, quando meu marido era vivo já tinha. Depois que fez a casa aqui na frente, que eu morava lá encima depois que fez essa casa aqui aí mudei pra cá, aluguei lá, né. Mas faz anos que eu tenho aquilo. Só a Dona Angelina,essa última que saiu, era morou doze anos aqui. Saiu porque tinha muita idade, tiraram, né. Mas ela não queria ir embora daqui de jeito nenhum. A Neusa morou nove anos, então sempre tive inquilino. Nunca levei calote de inquilino, a gente agüenta assim, alguma outra coisa, engole sapo né, pra poder viver bem, mas nunca ninguém me deu calote.

VS: E os inquilinos te ajudam com alguma coisa?
MGL: Ajuda nada! Risos. Ajuda a dar dor de cabeça, isso ajuda. É porque eu também vejo muita coisa e não falo, porque a gente tá vivendo, tem que agüentar um pouco. Porque eu vejo as coisas errada e não falo. Essa aí não me deu. Fora a Dona Angelina eu gosto demais desses. Ela é muito boa.

Todas as entrevistas estão postadas conforme a transcrição, seguindo a risca a fala, gírias e vícios de linguagem dos entrevistados.

Cresce o número de pessoas que moram sós no Brasil, diz IBGE

É, morar sozinho já é uma realidade pra muitos e o número de pessoas nessa situação só vem aumentando nos últimos anos.
O IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, aponta um crescimento desse perfil em uma de suas pesquisas mais recentes.
A notícia foi publicada na última sexta-feira na TV Uol. Quem quiser pode ver a matéria no hiperlink abaixo:

Cresce o número de pessoas que moram sós no Brasil, diz IBGE

Obs: Mais agradecimentos ao jornalista Guilherme Renso e também ao nosso orientador Flávio Falciano, por avisarem sobre essa reportagem.